Aos Pais e Filhos


Excelente texto , pena que não veio com  o nome do autor; Srs. Pais e
interessados ,vale a pena ler e refletir, confiram!!!!!!!!!
Na construção familiar, temos erguido paredes. Mas, dentro delas, haverá
gente de verdade?' Publicado em 1/8/2008 no 'Correio Popular Campinas

A Lua que não dei

Compreendo pais - e me encanto com eles - que desejariam dar o mundo  de
presente aos filhos. E, no entanto, abomino os que, a cada fim de  semana,
dão tudo o que filhos lhes pedem nos shoppings onde exercitam  arremedos de
paternidade. E não há paradoxo nisso. Dar o mundo é  sentir-se um pouco como
Deus, que é essa a condição de um pai. Dar  futilidades como barganha de
amor é, penso eu, renunciar ao sagrado.

Volto a narrar, por me parecer apropriado à croniqueta, o que me  aconteceu
ao ser pai pela primeira vez. Lá se vão, pois, 45 anos.
Deslumbrado de paixão, eu olhava a menina no berço, via-a sugando os  seios
da mãe, esperneando na banheira, dormindo como anjo de carne. E,  então, eu
me prometia, prometendo-lhe: 'Dar-lhe-ei o mundo, meu amor.'
E não lho dei. E foi o que me salvou do egoísmo, da tola pretensão e  da
estupidez de confundir valores materiais com morais e espirituais.

Não dei o mundo à minha filha, mas ela quis a Lua. E não me esqueço de  como
ela pediu, a Lua, há anos já tão distantes. Eu a carregava nos  braços,
pequenina e apenas balbuciante, andando na calçada de nosso  quarteirão, em
tempos mais amenos, quando as pessoas conversavam às  portas das casas.

Com ela junto ao peito, sentia-me o mais feliz homem do mundo,  andando,
cantarolando cantigas de ninar em plena calçada. Pois é a  plenitude da
felicidade um homem jovem poder carregar um filho como se  acariciando as
próprias entranhas. Minha filha era eu e eu era ela. Um  pai é, sim, um
pequeno Deus, o criador. E seu filho, a criatura bem  amada.

E foi, então, que conheci a impotência e os limites humanos. Pois a
filhinha - a quem eu prometera o mundo - ergueu os bracinhos para o  alto e
começou a quase gritar, assanhada, deslumbrada: 'Dá, dá, dá...'
Ela descobrira a Lua e a queria para si, como ursinho de pelúcia, uma
luminosa bola de brincar. Diante da magia do céu enfeitado de estrelas  e de
luar, minha filha me pediu a Lua e eu não lha pude dar.

A certeza de meus limites permitiu, porém, criar um pacto entre pai e
filhos: se eles quisessem o impossível, fossem em busca dele. Eu lhes  dera
a vida, asas de voar, diretrizes, crença no amor e, portanto, estímulo aos
grandes sonhos. E o sonho da primogênita começou a acontecer, num simbolismo
que, ainda hoje, me amolece o coração. Pois,  ainda adolescente, lá se foi
ela embora, querendo estudar no Exterior.
Vi-a embarcar, a alma sangrando-me de saudade, a voz profética de  Kalil
Gibran em sussurros de consolo:

'Vossos filhos não são vossos filhos, mas são os filhos e as filhas da
ânsia da vida por si mesma. Eles vêm através de vós, mas não de nós...
E embora vivam convosco, não vos pertencem. (...) Vós sois os arcos  dos
quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.'

Foi o que vivi, quando o avião decolou, minha criança a bordo. No céu,
havia uma Lua enorme, imensa. A certeza da separação foi dilacerante.
Minha filha fôra buscar a Lua que eu não lhe dera.

E eu precisava conviver com a coerência do que transmitira aos filhos:
'O lar não é o lugar de se ficar, mas para onde voltar.'

Que os filhos sejam preparados para irem-se, com a certeza de ter para  onde
voltar quando o cansaço, a derrota ou o desânimo inevitáveis lhes
machucarem a alma. Ao ver o avião, como num filme de Spielberg,  sombrear a
Lua, levando-me a filha querida, o salgado das lágrimas se  transformou em
doçura de conforto com Kalil Gibran: como pai, não dando o mundo nem Lua aos
filhos, me senti arqueiro e arco,  arremessando a flecha viva em direção ao
mistério..

Ora, mesmo sendo avós, temos, sim e ainda, filhos a criar, pois  família é
uma tribo em construção permanente. Pais envelhecem, filhos  crescem,
dão-nos netos e isso é a construção, o centro do mundo onde a  obra da
criação se renova sem nunca completar-se. De guerreiros que  foram, pais se
tornam pajés. E mães, curandeiras de alma e de corpo. É  quando a tribo se
fortalece com conselheiros, sábios que conhecem os  mistérios da grande
arquitetura familiar, com régua, esquadro,  compasso e fio de prumo. E com
palmatória moral para ensinar o óbvio:
se o dever premia, o erro cobra.

Escrevo, pois, de angústias, acho que angústias de pajé, de índio velho. A
nossa construção está ruindo, pois feita em areia movediça. É  minúsculo o
mundo que pais querem dar aos filhos: o dos shoppings. E  não há mais
crianças e adolescentes desejando a Lua como brinquedo ou  como conquista.
Sem sonhos, os tetos são baixos e o infinito pode ser  comprado em lojas.
Sem sonhos, não há necessidade de arqueiros arremessando flechas vivas.

Na construção familiar, temos erguido paredes. Mas, dentro delas, haverá
gente de verdade?

"O que nos faz amigos é essa capacidade de sermos muitos, mesmo quando somos
dois."

Para todos os pais da atualidade!!!!