Ragnarok
Um texto
escandinavo da antigüidade que descreve a batalha final entre os deuses e
seus inimigos
A mitologia
escandinava é um reflexo do rude ambiente subpolar em que os audazes
nórdicos viviam. É um mundo em que homens e mulheres desempenham papéis
secundários e no qual o drama se desenrola num conflito entre deuses e
gigantes, conflito esse no qual os deuses aparecem em franca desvantagem.
Os "gigantes de gelo" (os longos e cruéis invernos escandinavos) são
invencíveis.
Ragnarok é a batalha final entre os deuses e seus inimigos. Seguindo os
deuses vêm os heróis do Valhala que na Terra, tinham morrido em combate.
Seus oponentes são os gigantes e monstros de natureza cruel, liderados
pelo renegado Loki . Um por um os deuses caem, embora os monstros e
gigantes - inclusive Loki - também morram. Na luta, a Terra e o universo
perecem. O Sol e a Lua são engolidos pelos lobos, que os perseguiam desde
a criação . A Terra pega fogo, arde e se fragmenta, num holocausto
universal. Quase como um detalhe insignificante da grande batalha, a vida
e a humanidade são extintas. E esse, dramaticamente, deveria ser o fim -
mas não é.
De algum modo , uma segunda geração de deuses sobrevive. Outro Sol e outra
Lua passam a existir, uma nova Terra surge, um novo par humano vem a
existência. Um anticlimax feliz se opõe à grande tragédia da destruição.
A lenda de Ragnarok foi extraída dos escritos de um historiador islandês,
Snorri Sturluson (1179-1241). Naquela época, a Islandia já tinha sido
cristianizada e a lenda do fim dos deuses parece ter sofrido influencia
cristã . Havia lendas cristãs sobre a morte e regeneração do universo que
há muito precediam a lenda islandesa de Ragnarok; por sua vez, as lendas
cristãs eram influenciadas pelas dos judeus. .
Expectativas messiânicas
Enquanto o reino davidico de Judá existiu, antes de 586 a.C., os judeus
estavam convictos de que Deus era o divino juiz que atribuia recompensas e
punições aos indivíduos de acordo com seus méritos. As recompensas e
punições eram aplicadas nesta vida. Esta certeza foi anulada. Após o reino
de Judá ter sido arruinado pelos caldeus sob Nabucodonosor, seu Templo
destruido e muitos judeus levados para o exílio em Babilonia, começou a
crescer, entre os exilados, um desejo da volta do reino e de um rei da
velha dinastia de Davi.
Na medida em que tais desejos representavam traição para com os novos
dirigentes não-judeus, surgiu o hábito de apenas fazer-se alusões à volta
do rei. Uns falavam do "Messias"; quer dizer "o ungido", já que o rei era
ungido com óleo como parte do ritual de entronização. A imagem do rei que
retornava era idealizada como algo que prenunciava uma maravilhosa época
dourada e, realmente, as recompensas da virtude eram removidas do presente
(onde manifestamente não estavam ocorrendo) e transferidas para um futuro
dourado.
Alguns versos descrevendo essa época dourada foram incluidos no livro de
Isaias, que propagou as palavras de um profeta já atuante em 740 a.C. :
"E ele (Deus) julgará as nações e convencerá de erro a muitos povos: os
quais de suas espadas forjarão relhas de arados e de suas lanças, foices,
uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem daí por diante se
adestrarão mais para a guerra" (Isa.11,4).
"...mas julgará os pobres com justiça e tomará com eqüidade a defesa dos
humildes da terra e ferirá a terra com a vara da sua boca e matará o ímpio
com o sopro dos seus lábios" (Isa. 11,4).
O tempo passou e os judeus retornaram do exílio, mas isso não trouxe
alívio. Havia hostilidade de seus vizinhos não-judeus mais próximos e eles
se sentiam indefesos em face do poder avassalador dos persas, então
dominadores do país. Os profetas judeus tornaram-se mais incisivos,
portanto, em seus escritos sobre a idade dourada vindoura e,
particularmente, sobre a condenação que aguardava seus inimigos.
"Juntarei todas as gentes e conduzi-las-ei ao vale de Josafá e ali
entrarei com elas em juízo acerca de Israel, meu povo e minha herança..."
(Joel 3,2) .Esta foi a primeira expressão literária de um "Dia do Juizo
Final", tempo em que Deus poria fim à presente situação do mundo. Tal
noção se tornou mais forte e extremada no século II a.C., quando os
selêcidas, dirigentes gregos que haviam sucedido na dominação persa depois
de Alexandre Magno, tentaram suprimir o judaísmo.
Os judeus, sob os macabeus, se rebelaram e o Livro de Daniel foi escrito
para apoiar a rebelião e prometer um futuro brilhante. O livro baseava-se,
parcialmente em antigas tradições relativas a um profeta Daniel. Da boca
de Daniel vieram descrições de visões apocalípticas. Deus (chamado como "o
Ancião dos dias") faz sua aparição para punir os perversos.
"Eu estava, pois, observando estas coisas durante a visão noturna e eis
que vi um personagem que parecia o Filho do homem, que vinha com as nuvens
do céu...e Ele deu-lhe o poder, a honra e o reino; e todos os povos,
tribos e línguas o serviram; o seu poder é um poder eterno que não será
tirado; e o seu reino não será jamais destruido" (Dan. 7, 13-14).
Este "ser semelhante ao Filho do homem" se refere a alguém de forma
humana, em contraposição aos inimigos de Judá, que haviam sido previamente
representados sob a forma de diversas feras. A forma humana pode ser
interpretada como representando Judá em abstrato, ou o Messias em
particular.
A rebelião macabéia foi bem sucedida e um reino judeu restabelecido, mas
isto também não trouxe a idade de ouro. Entretanto, os escritos proféticos
mantiveram vivas as expectativas dos judeus durante os dois séculos
seguintes. O Dia do Juizo Final permaneceu sempre como eminente; o Messias
estava sempre para chegar; o reino da justiça estava sempre a ponto de ser
estabelecido.
Os romanos sucederam os macabeus e, no reinado do imperador Tibério, houve
um pregador muito popular na Judéia, chamado João Batista, cuja mensagem
continha a seguinte temática:
"Fazei penitência porque está próximo o reino dos céus" (Mat. 3,2).
Com a expectativa universal assim constantemente reforçada qualquer um que
se proclamasse o Messias certamente teria seguidores; sob os romanos houve
muitos pretendentes que, politicamente, conduziram a nada. Dentre esses,
contudo, figurava Jesus de Nazaré, a quem alguns humildes judeus seguiram
e se mantiveram fiéis mesmo depois de Jesus ter sido crucificado sem que
uma mão se erguesse para salvá-lo.
Aqueles que acreditaram em Jesus como o Messias poderiam ter sido chamados
de "messiânicos". Todavia , a língua dos seguidores de Jesus veio a ser o
grego, na medida em que mais e mais gentios se convertiam e, em grego, a
palavra para Messias é "Christos". Assim os seguidores de Jesus passaram a
ser denominados "cristãos".
O sucesso inicial na conversão de gentios deveu-se às pregações
missionárias carismáticas de Paulo de Tarso (o apostolo Paulo) e,
começando com ele, o cristianismo iniciou uma corrida de expansão que
trouxe para a sua bandeira primeiro Roma, depois a Europa, depois grande
parte do mundo. Os primeiros cristãos acreditavam que a chegada de Jesus o
Messias ( isto é "Jesus Cristo") significava que o Dia do Juizo Final
estava prestes a vir.
Ao próprio Jesus são atribuidas predições do iminente fim do mundo:
"Mas naqueles dias, depois daquela tribulação , o Sol se escurecerá., a
Lua não dará seu resplendor ; e as estrelas do céu cairão e se comoverão
as postedades que estão nos céus. Então verão o Filho do homem vir sobre
as nuvens com grande poder e glória . . . Em verdade vos digo que não
passará esta geração, sem que se cumpram todas estas coisas. O céu e a
terra passarão ... A respeito, porém , daquele dia ou daquela hora,
ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem mesmo o Filho, mas só o Pai" (Mat.
13,24-27, 30-32).
Em aproximadamente 50d.C., vinte anos após a morte de Jesus, o apóstolo
Paulo ainda aguardava o Dia do Juizo Final de um momento para o outro:
"Nós, pois, vos dizem isto, segundo a palavra do Senhor, que nós, não
passaremos adiante daqueles que adormeceram . Porque o mesmo Senhor, ao
manto de Deus, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, descerá do
Céu e os que morreram em Cristo ressucitarão primeiro. Depois nós, os que
vivemos, os que ficamos, seremos arrebatados justamente com eles sobre as
nuvens ao encontro de Cristo nos ares e assim estaremos para sempre com o
Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras. Quanto
ao tempo e ao momento (desta segunda vinda de Jesus Cristo) não tendes
necessidade, irmãos que nós escrevamos. Porque vós sabeis muito bem que o
dia do Senhor virá como um ladrão durante a noite" (I Tess. 4,15,5,2).
Como Jesus fazia notar que o Dia do Juizo Final viria logo, mas tinha o
cuidado de não estabelecer uma data exata. O que ocorreu é que o Dia do
Juizo Final não veio; os maus não foram punidos, o reino ideal não foi
estabelecido e aqueles que acreditavam que Jesus era o Messias tiveram que
se contentar com a crença de que o Messias teria que vir uma segunda vez
(a Parusia ou "Segunda Vinda") e que então tudo que havia sido previsto
ocorreria.
Os cristãos foram perseguidos em Roma, sob Nero e, em maior escala, mais
tarde, sob o imperador Domiciano. Exatamente como a perseguição selêucida
tinha gerado as promessas apocalípticas (Apocalíptico: vem do grego e
significa "revelação"). Assim, qualquer coisa que é apocalíptica revela um
futuro normalmente oculto aos olhos dos homens.
O Apocalipse foi provavelmente escrito em 95 d.C., durante o reinado de
Domiciniano. Neste livro, confusa e detalhadamente, o Dia do Juizo Final é
descrito. Narra-se uma batalha final entre todas as forças do mal e as do
bem, num lugar chamado Har-Margedon, contudo os detalhes não são claros (Apoc.
16:14-16). Finalmente, porém, "Eu vi um novo céu e uma nova terra, porque
o primeiro céu e a primeira terra desapareceram..."(Apoc. 21,1).
É bem possível, portanto, que qualquer que tenha sido a origem do mito
escandinavo de Ragnarok, a versão que chegou até nós deva algo àquela
batalha de Har-Magedon no Apocalipse, com sua visão de um universo
regenerado. E o Apocalipse, por sua vez , deve muito ao Livro de Daniel.
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