A Ordem do Templo e o Ideal Templário


       As Ordens Militares sempre tiveram vez na história da humanidade pela grandeza dos momentos em que viveram, pelos feitos e conquistas, pelo temor e inveja que causavam, pela opulência de seus membros e, as vezes, pela extravagância que os caracterizava.

       Dentre as Ordem Militares mais famosas, a dos Cavaleiros Templários, dissolvida pelo papa Clemente V, há quase sete séculos, se destaca por uma história repleta de façanhas, lugares e épocas tão incomuns quanto exóticas. Dela fizeram parte os mais variados tipos de personagens, dotados, ora dos mais elevados anseios espirituais ora dos mais recônditos e inconfessáveis níveis a que o homem pode chegar. E mesmo o cruel fim imputado à Ordem, em especial ao seu último líder, Jacques de Molay, hoje em dia assumiu aquele caráter que transformou a própria Ordem, como um todo, em mártir e em mito.

       A história do Templo, que muitas vezes, pelo próprio espírito da época em que ocorreu, assume cores românticas, traz a todos uma imensa variação de sentimentos em uma espécie de glória nostálgica que, por mais agradável que pareça, as vezes enevoa sua compreensão. Que seja dito que a Ordem dos Cavaleiros Templários, entretanto, foi muito mais que puramente uma lenda: ela é um fenômeno histórico.

       Assim, rapidamente, vamos passar a vista sobre esta magnífica história.

       Quando Hughes de Payens, em 1118, junto a outros oito Cavaleiros, fundou a Ordem dos Cavaleiros Templários, ou, simplesmente, os Templários, provavelmente não tinha a mínima idéia das dimensões, da riqueza e poder que ela acumularia nos seguintes duzentos anos de sua história.

       Mas por que a Ordem dos Cavaleiros Templários foi formulada?

       Ao final do século XI, teve início a Primeira Cruzada.

       A Cristandade então encontrava-se tumultuada e dividida; a Europa, enfrentando uma espécie de estagnação sócio-econômica e cultural, era solo propício para guerras e disputas internas que só colaboravam com o tenso clima que dela se apossara.

       O novo Sumo Pontífice a ocupar o Trono de São Pedro, Urbano II, eleito papa em 1088, revelou-se, muito além daquelas qualidades e funções cabíveis ao suposto representante de Deus na terra, um notável político e excelente articulador.

       Um dos sonhos da Igreja da época, e também de Urbano II, era retomar a cidade de Jerusalém, cuja posse estava nas mãos dos "infiéis" do islão havia mais de quatro séculos, desde o ano 638 d.C., quando fora tomada pelo exército muçulmano. Os tesouros ali encerrados, além do histórico valor para o cristianismo da própria cidade em si, sendo o sonho de todo a alta hierarquia do clero, poder "unificar" cristãos ocidentais e orientais sob o jugo único do pontificado Papal, eram motivos mais que suficientes para justificar uma empreitada a terra santa, fosse qual fosse o preço a ser pago.

       A habilidade política do Papa Urbano II conquistou a submissão espiritual de praticamente todos os cristãos ocidentais, fazendo com que parte da Europa entendesse que havia uma necessidade premente e divina de se recuperar aquilo que, por direito, pertencia aos cristãos. E desta forma foi articulada a Primeira Cruzada, cujo divino objetivo era "devolver a Deus o que era de Deus". Estava iniciada a era das guerras santas.

       E assim Jerusalém viria a cair sob domínio cristão ocidental.

       Poucos anos após a queda de Jerusalém, em 1118, alguns Cavaleiros se reuniam para prestar um nobre serviço ao reino cristão.

       As peregrinações, naquela época, eram costumeiras entre os europeus, principalmente entre os cristãos, sendo uma atividade abençoada e encorajada pela Igreja e pelo Papa. Um dos caminhos de maior importância, senão o mais importante, era justamente aquele que conduzia os peregrinos à Terra Santa e a Jerusalém. Esse caminho, contudo, não era seguro, deixando os que nele se aventurassem a toda sorte de bandidismo, assaltos, etc, e mesmo à morte.

       Nove Cavaleiros então, liderados por Hughes de Payens, todos veteranos da Primeira Cruzada, estabeleciam a Ordem dos Cavaleiros de Cristo, tomando o tríplice voto de Castidade, Pobreza e Obediência, dedicando suas vidas, dali até a morte, à proteção dos peregrinos e à garantia do Reino de Cristo.

       O então novo Rei de Jerusalém, Balduíno II, que sucedera seu primo Balduíno I, logo viu na atitude dos nobres e valorosos cavaleiros algo de grande valor e importância. A título de reconhecimento e confiança, cedeu-lhes terras e construções para que lhes servissem de acomodação e base. As terras eram situadas no local onde supostamente havido sido construído o famoso Templo de Salomão. Não tardou e os Pobres Cavaleiros de Jesus Cristo passaram a se denominar de Cavaleiros do Templo de Salomão, ou simplesmente de Cavaleiros Templários.

       E assim nascia a Ordem do Templo.

       De forma rápida a Ordem ia crescendo, tanto política quanto economicamente. Estavam diretamente sob a autoridade papal, e, portanto, sem responsabilidade para com qualquer Rei ou nação.

       Passaram a possuir terras, castelos e muito dinheiro. Tamanha se tornara a sua força que mesmo Reis e Príncipes passariam a confiar toda fortuna que possuíam à sua guarda. Muito da riqueza Templária advém disto, pois boa parte dos bens conferidos à guarda Templária, quer por um motivo ou outro, jamais retornaria às mãos de seu dono original.

       Mas o início do século XIV encontraria uma Europa bem distinta daquela de duzentos anos antes. As derrotas do exército cristão, no oriente, impunham um definitivo cessar da era das grandes cruzadas. Não mais haveria terras santas a serem defendidas e a idéia de Ordens Militares logo tomaria ares de anomalia, visto não mais haver necessidade de sua principal função: a proteção dos peregrinos.

       Nessa época, Felipe IV, reinava na França. Cognominado o Belo, Felipe IV, implacavelmente coerente em seus atos, realçando os aspectos sacerdotais de um monarca, transformara-se em uma espécie de semideus, conduzindo seu reinado com mão de ferro.

       Felipe, como parte de um maquiavélico plano, tentara fazer parte da Ordem do Templo. Mas, para sua ira, seu pedido de ingresso lhe fora negado.

       A história, repleta de exemplos de Reis dominados pela Igreja e por Papas, teve em Felipe, o Belo, justamente o oposto. E a lenda a nos conta como ocorreu o secreto encontro entre Felipe e um certo inexpressivo arcebispo, nas ruínas de um mosteiro em plena floresta. Felipe então propunha fazer o arcebispo papa, em troca de seis favores, dos quais um, só lhe seria revelado após a eleição.

       O quadro clérico da época destacava-se, não pela presumida divina representação terrena de Deus, atribuída a Santa Igreja Católica, mas pelas fortes disputas internas por posições de destaque político dentro do corpo eclesiástico. Felipe, bem consciente deste fato, acertara em cheio na sua escolha. Assim, sob sua influência, um sujeito fraco e ganancioso, o Arcebispo Beltrão de Got, subia ao Trono de São Pedro como Papa Clemente V, em novembro de 1305.

       O favor oculto devido a Felipe por Clemente V, era a dissolução da Ordem dos Templários: só um papa poderia fazê-lo, pois os Templários não estavam submissos a mais ninguém, e Clemente V seria o instrumento de Felipe, o Belo.

       Felipe, no intuito de elaborar um plano de ação contra os Templários, fez-se infiltrar na Ordem através de vários agentes. O fim da Ordem do Templo estava desencadeado. Em 13 de outubro de 1307, Jacques de Molay e cerca de cinco mil Templários, quase todos aqueles existentes na França, foram encarcerados pelos homens do Rei Felipe, o Belo.

       As acusações mostravam heresias as mais diversas, a maioria destas sendo bem comuns aos cotidianos processos movidos pela Santa Inquisição: negação do Cristo, blasfêmia contra Deus, homossexualismo, idolatria, conluio com os infiéis do islã, etc.

       O processo de inquisição contra os Templários continuou por anos. Seu ápice ocorreu em 18 de março de 1314, quando o último líder dos Templários, Jacques de Molay e um outro irmão da Ordem, foram arrastados à morte na fogueira da Santa Inquisição.

       A lenda nos diz que, em meio as chamas, pouco antes de morrer, ouviu-se a forte voz de Jacques de Molay, o último Grão Mestre Templário, amaldiçoando o papa, o Rei e sua família: que se os Templários tivessem sido injustamente condenados, que o papa Clemente fosse convocado em quarenta dias, e o Rei Felipe dentro de no máximo um ano, para o julgamento final de Deus.

       Se isso é ou não verdade, não se pode afirmar. Contudo, Clemente morreu trinta e três dias depois e o Rei Felipe, o Belo, o seguiu em pouco mais de seis meses.

       Aceite-se ou não esta Lenda do último Grão-Mestre da Ordem do Templo, as mortes permanecerão, assim como permanecerá o próprio mito que cercou os Cavaleiros Templários.



 

       Por Carlos Raposo (26/08/02)
       
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