Orfismo
 


O Orfismo era uma religião de mistério no antigo mundo grego, difundido a partir dos séculos VII e VI Antes da Era Comum. Seu fundador teria sido o poeta Orfeu, que desceu ao Hades e retornou. Os órficos também reverenciam Perséfone (que descia ao Hades a cada inverno e voltava a cada primavera) e Dionísio ou Baco (que também desceu e voltou do Hades). Como os mistérios eleusinos, os mistérios órficos prometiam vantagens no além-vida. Esses cultos de mistérios, que prometiam uma vida melhor após a morte, parecem ter influenciado o início do cristianismo.

Peculiaridades

O orfismo diferia da religião grega popular das seguintes maneiras:

  1. caracterizava as almas humanas como divinas e imortais, mas condenadas a viver (por um período) em um “círculo penoso” de sucessivas encarnações através da metempsicose ou transmigração de almas;

  2. prescrevia uma forma ascética de vida a qual, junto com ritos iniciáticos secretos, deveria garantir não apenas o desprendimento do tal “círculo penoso” mas também uma comunhão com deus(es);

  3. advertia sobre uma punição pós-morte por certas transgressões cometidas durante a vida;

  4. era fundamentada sobre escritos sagrados com relação à origem dos deuses e seres humanos.

 

Evidências

As visões e práticas órficas foram testemunhadas por Heródoto, Eurípides e Platão. A maioria das fontes de ensinamentos e práticas órficas é atrasada e ambígua, e alguns estudiosos afirmam que o orfismo tenha sido na verdade uma construção de uma data mais recente do que se acredita. Porém, os papiros de Derveni, descobertos há poucos anos, permitem datar a mitologia órfica em quatro séculos AEC ou até uma data mais antiga que essa. Outras inscrições encontradas testificam a antiga existência de um movimento com as mesmas crenças centrais que foi mais tarde associado com o nome do orfismo.

 

Mitologia

As teogonias órficas são trabalhos genealógicos como a Teogonia de Hesíodo, mas os detalhes são diferentes. O relato principal é: Dionísio (na sua encarnação de Zagreus) é o filho de Zeus e Perséfone; ele foi assassinado e fervido pelos Titãs. Zeus lançou um raio nestes e Hermes salvou o coração de Zagreu. As cinzas resultantes geraram a humanidade pecaminosa, composta dos corpos dos Titãs e de Dionísio. A alma do homem (fator dionisíaco) é portanto divina, enquanto o corpo (fator titânico) aprisiona a alma. Declarava-se que a alma retornaria repetidamente à vida, atada à roda do renascimento. O coração de Dionísio é implantado na coxa de Zeus, e este então engravida a mortal Semele com o re-nascido Dionísio. A “Teogonia Protogonos”, perdida, composta cerca de 500 AEC, só é conhecida através de comentários encontrados em papiros e de referências nos autores clássicos, como Empédocles e Píndaro. A "Teogonia Eudemiana ", também perdida, foi composta no século V AEC, e teria sido o produto de um culto sincrético ‘Baco-Curético’. A “Teogonia Rapsódica ", também perdida, composta na idade helenística, incorporava os trabalhos anteriores, e ficou conhecida através de sumários nos escritos de autores neo-platonistas. Já os “Hinos Órficos”, 87 poemas hexamétricos de extensão mais curta, foram compostos no final da era helenística ou início da era imperial romana.

 

Escatologia

As fontes epigráficas demonstram que a mitologia “órfica” sobre a morte e ressurreição de Dionísio estava associada a crenças em uma vida pós-morte abençoada. Tábuas de ossos encontradas em Olbia (século V AEC) traziam inscrições curtas e enigmáticas do tipo: "Vida. Morte. Vida. Verdade. Dio(nísio). Órficos." A função dessas tábuas não se sabe qual era. Folhas douradas encontradas em túmulos de Turii, Hipônio, Tessália e Creta (século IV AEC) davam instruções ao morto. Quando ele chegasse ao Hades, deveria tomar cuidado para não beber do Rio Lethe ("Esquecimento"), mas do poço de Mnemosyne ("Memória"), e deveria dizer aos guardas: "Eu sou o filho da Terra e do Céu Estrelado. Estou com sede, dê-me algo para beber da fonte de Mnemosina." Outras folhas douradas diziam: "Agora você está morto, e agora você renasce neste mesmo dia, três vezes abençoado. Diga a Perséfone que o próprio Baco redimiu você."

 

Pitagorismo

As visões e práticas órficas têm elementos paralelos com o Pitagorismo. Há, porém, muito pouca evidência para determinar a extensão de qual movimento que influenciou o outro.

 

Os papiros Derveni

Os papiros Derveni compõem um pergaminho antigo grego que foi encontrado em 1962. É um tratado filosófico que é um comentário alegórico em um poema órfico, uma teogonia que diz respeito ao nascimento dos deuses, produzido no círculo do filósofo Anaxágoras, na segunda metade do século V Antes da Era Comum, tornando-o “a mais importante nova peça de evidência sobre a filosofia e religião gregas a vir à tona desde a Renascença" (Janko, 2005). Ele data de cerca de 340 A.E.C., durante o reinado de Filipe II da Macedônia, sendo o mais antigo manuscrito sobrevivente da Europa. Ele foi finalmente publicado em 2006.

 

Descoberta

O pergaminho foi encontrado em um sítio arqueológico em Derveni, Macedônia, ao norte da Grécia, no túmulo de um homem nobre, em uma necrópole que fazia parte de um rico cemitério que pertencia à antiga cidade de Lete. É o livro mais antigo que sobreviveu na tradição ocidental e um dos muito poucos papiros sobreviventes encontrados na Grécia. O pergaminho está carbonizado da pira do túmulo do nobre. O papiro é mantido no Museu Arqueológico da Tessalónica.

 

Conteúdo

O texto é um comentário de um poema hexâmetro atribuído a Orfeu. Fragmentos do poema são citados. O poema começa com as palavras “Feche as portas, tu iniciado”, uma famosa admoestação ao segredo recontado por Platão. A teogonia descrita no poema tinha a Noite dando à luz o Céu (Urano), que se tornou o primeiro rei. Cronos (o tempo) vem em seguida e toma o reinado de Urano, mas é sucedido por Zeus. Zeus, tendo ouvido oráculos de seu pai, vai até o santuário da Noite, que conta a ele “todos os oráculos os quais em seguida ele colocaria em efeito”. Ao ouvi-los, Zeus engoliu o falo (do rei Urano), que primeiro tinha ejaculado o brilho do céu.

 

Leituras recentes

O texto não foi oficialmente publicado por quarenta e quarto anos depois de sua descoberta (embora três edições parciais tenham sido publicadas). De acordo com o editor A. L. Pierris, Kyriakos Tsantanoglou, professor emérito da Universidade Aristotélica da Tessalónica atrasou sua publicação. Um time de especialistas se reuniu no outono de 2005, liderados por A. L. Pierris do Instituto de Estudos Filosóficos, Dirk Obbink, diretor do projeto dos papiros Oxyrhynchus na Universidade de Oxford, com a ajuda de modernas técnicas de imagem multi-espectral por Roger Macfarlane e Gene Ware da Universidade Jovem de Brigham para tentar uma aproximação melhor à edição de um texto difícil. Enquanto isso, o papiro finalmente foi publicado por estudiosos da Tessalónica (Tsantsanoglou e col.), em uma edição a qual falta um aparato crítico para registrar as contribuições de vários estudiosos mas ao menos provém um texto completo dos papiros, baseado na autópsia de fragmentos, com fotografias e traduções, depois de tanto tempo de espera. Mais trabalho certamente precisa ser feito.