Beatos Mártires dos Pontões de Rochefort

 (mens199)

 

Fim do século XVIII, o Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs começa a dar passos ousados, criativos, em meio a uma situação política difícil...

Em 1777, reunidos em Reims, os Irmãos escolhem o novo Superior Geral Irmão Agathon. Este é o 5º Superior Geral. Graças à criatividade e fidelidade desde Irmão, o Instituto poderá atravessar a Revolução Francesa com vida!

1789, eis que chega a Revolução, sob o lema: Liberdade! Fraternidade! Igualdade!. França, o berço de nosso Instituto, se vê envolta por trevas. Por um lado o povo sedento de justiça, cansado dos desmandos do Rei Luis XVI e da conivência da Igreja, busca um novo tempo. Por outro lado, há os que se aproveitam da situação para deter o poder, manipular os ideais populares, com ações insanas e cruéis... Em agosto é proclamada a Declaração dos Direitos do Homem.

A Igreja, influente na corte real, passa a ser perseguida. Não só os Bispos, que mais pareciam funcionários reais, mas todos os sacerdotes, mesmo os religiosos e fiéis que os apoiassem.

Nestes tempos de tensão, nosso Irmão Agathon, mais que nunca, escreve aos Irmãos oferecendo-lhes pistas para que pudessem superar com fidelidade a situação. Entretanto, já percebia que alguns não suportariam a perseguição. E por ocasião da renovação dos Votos, festa da Trindade de 1790, escreve: "O Instituto não busca o número, mas a qualidade de seus membros. Os que permaneceram fiéis a seus deveres de estado, estejam seguros de perseverar". Apesar da difícil situação, eram estranhas e edificadoras para os Irmãos as solicitações de abertura de comunidade e de escolas. Isto tudo lhes alimentava a esperança!

A Constituição Civil do Clero é aprovada no dia 12 de julho de 1790. O objetivo é a criação de uma Igreja Francesa, independente da Santa Fé, na qual os sacerdotes e bispos seriam funcionários do Estado. Diante de tal Constituição, qualificada de sistemática pela Igreja, todo clero e religiosos deveriam prestar juramento. Foi aquele reboliço...

Havia os que espontaneamente faziam o juramento, também os que foram coagidos, por ameaças, por medo, a fazê-lo, sendo que alguns destes depois voltaram atrás. Mas houve quem desde o início negou-se terminantemente a fazê-lo, abraçando todos os riscos, mesmo o da difamação e da morte.

Apesar da recomendação de que os Irmãos permanecessem fiéis ao Papa, que já era coisa do Fundador, ainda lhes foi escrito pelo Superior Geral: "... as pessoas de bem nos observam, e esperam de nós um gesto de fidelidade, sem vacilos". Mesmo assim, alguns dos Irmãos e até comunidades inteiras prestaram juramento à nova constituição, sendo chamados "juramentados" pelos revolucionários e de "intrusos" pelos cristãos. Outros firmaram oposição, alguns deles chegaram ao martírio, como também é o caso do Irmão Secretário Geral, Irmão Salomão, primeiro mártir de nosso Instituto. Outros apenas conheceram os horrores da prisão, como é o caso do próprio Irmão Agathon.

Para assegurar o futuro do Instituto, a Providência Divina contará com os Irmãos que estão na Itália, com os que foram deportados para a Bélgica e outros países, e especialmente com os que permaneceram exercendo seu ministério no anonimato, morando junto de suas famílias, aguardando apenas os sinais do tempo para novamente reunirem-se em comunidades.

 

 

Irmão Leão

Filho de Marie e Jean-Baptiste Claude Mopinot, Jean nasceu em Reims, no dia 12 de dezembro de 1724. Foi batizado no mesmo dia, na Paróquia de São Tiago, pelo Padre Huberto Vuyart.

Foi aluno dos Irmãos em Thillois. Aos 19 anos ingressou no Noviciado de Santo Yon, em 14 de janeiro de 1744, recebendo o nome de Irmão Leão.

Seus Votos Perpétuos aconteceram no dia 1º de novembro de 1749.

 

Irmão Rogério

Orleans, 25 de julho de 1745: o parto de Cathérine Legout, esposa de Pièrre Faverge, é complicado e o recém-nascido corre perigo. O médico recomenda, às pressas, o batismo, pois o pior pode acontecer...

O menino é batizado, recebe o nome de Pièrre-Sulpice-Christophe Faverge. Gradativamente vai superando o perigo, quer viver!

Após estudar numa escola lassalista, Pièrre Faverge ingressa no Noviciado de Maréville, em 1767, quando recebe o nome de Irmão Rogério. Após seu Noviciado, continua ali mesmo sua formação pedagógica.

 

Irmão Uldarico

Nasceu e foi batizado em Fraisans, no dia 1º de fevereiro de 1755. No Livro de Batismo da paróquia de Dampierre, diocese de Besançon, encontramos: "Jean-Baptiste Guillaume, filho do matrimônio de Nicolas Guillaume e Antonie Mignot, foi batizado no dia 1º de fevereiro de 1755. Padrinho: Jean-Baptiste Quiney. Madrinha: Françoise Yomez."

Segundo ele mesmo, ingressou no "Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs no dia 16 de outubro de 1785, com o nome de Irmão Uldarico". Seu Noviciado aconteceu em Maréville.

 

 

A comunidade de Moulins, unânime, permaneceu fiel à Igreja, negando-se a prestar tal juramento. Na pessoa do Irmão Rogério, diretor da comunidade, os Irmãos Bertol, Leão, Nabord e Sabino, assim respondem às ameaças de fechamento da escola e deportação: "Vocês são livres para fazê-lo. Eu não renego a minha fé, meu batismo, nem meus votos religiosos, que agora me unem mais fortemente a Nosso Senhor..."

Em abril de 1793 a situação se agrava, os Irmãos são aprisionados em distintos locais, exceto o Irmão Nabord, que conseguiu voltar para sua família. O Irmão Sabino morreu na prisão no dia 10 de junho.

Os doze Irmãos da comunidade de Nancy recebem do Irmão Agathon uma circular que, entre outras coisas, diz: "... vocês devem estar sempre submetidos e bem unidos à Igreja Católica, Apostólica e Romana..." Posteriormente os Irmãos desta comunidade foram convidados a prestar o juramento. Entre eles estava o Irmão Uldarico, ainda jovem, mas muito decidido, a ponto de declarar solenemente "... declaro que amo meu estado de religioso consagrado e desejo perseverar nele até a morte, com a ajuda da graça de Deus". Com a mesma decisão declararam-se todos os Irmãos da comunidade de Nancy, de forma que suas comunidades e escola foram dissolvidas. Segundo testemunhas, o Irmão Uldarico continuou em Nancy exercendo seu ministério na clandestinidade.

Foi aprisionado no convento dos Carmelitas, agora prisão, em Beaufort, a 5 de maio de 1793, sendo condenado à deportação juntamente com os outros Irmãos.

A matança começou! O povo é incitado a matar os Religiosos, agora considerados inimigos...

Em Moulins, Irmão Rogério, ao ser transferido para o antigo Mosteiro das Clarissas, transformado em cárcere, encontra-se com o Irmão Leão.

No dia 21 de outubro, todos os encarcerados que ainda se negam a prestar o juramento são condenados à deportação para a Costa da África, anteriormente a deportação seria para a Guiana.

Os condenados seguem uma verdadeira Via-Crúcis até Rochefort, litoral oeste da França, donde partiram à deportação. Seguem em dois grupos. O primeiro parte dia 25 de novembro, neste se encontra o Irmão Rogério. Já o segundo grupo parte dia 28, ali se encontram os Irmãos Uldarico e Leão.

A longa viagem até Rochefort é transformada num humilhante espetáculo, do qual os prisioneiros são expectadores e partícipes. Pelas estradas encontram bandos de revolucionários trajando hábitos e vestimentas sacerdotais, enquanto dançam, cantam. Alguns chegam a repetir, ironicamente, trechos de orações em latim. Em outro momento, já próximo da cidade de Limoges, os prisioneiros são surpreendidos por uma "procissão" de animais trajando vestimentas sacerdotais, sendo seguida por um burro que carregava a mitra, onde estava escrito: "O PAPA"... Os prisioneiros devem seguir esta "procissão". Uma tortura!

Como parada final chegam à praça municipal, onde está armada uma guilhotina. A vítima escolhida é o diácono Rempnoux... Enquanto sua cabeça rola no chão, os revolucionários aplaudem.

Em Angulema, após breve parada do primeiro grupo, os três Irmãos se encontram.

Neste sangrento peregrinar, o Irmão Rogério destaca-se, pois, apesar do sofrimento, ainda servia com criatividade. Tornou-se sapateiro, remendando como podia os calçados de seus companheiros. Ele mesmo dizia: "Como bons soldados de Cristo devemos saber um pouco de todos os ofícios e inclusive, quando necessário, ser um bom sapateiro".

Ao chegar em Rochefort percebe-se que os barcos que os transportariam até a África não estão em condições para realizar tal viagem. Assim, aqueles barcos negreiros, chamados de pontões, são transformados em prisões flutuantes sobre o mar.

Antes da subida dos prisioneiros aos barcos uma última inspeção. Devem ser recolhidos todos os objetos religiosos. Por fim, muitas Bíblias, crucifixos, livros de orações foram jogados ao mar... Rezar, somente às escondidas!

Quatrocentas pessoas são amontoadas no barco "Os Dois Sócios", entre estes estão nossos Irmãos... Sem ventilação, sem luz, sem espaço suficiente, sem alimentação, sem banheiros, são tratados sem compaixão.

A cada dia aumenta o número de enfermos e mortos.. Ainda assim, naquele ambiente imundo, há lugar para a solidariedade. Uns ajudam os outros, mesmo que seja apenas proporcionar um espaço para que se possa descansar.

Irmão Leão, 70 anos incompletos, depois de resistir tanto tempo aos maus tratos, morre sereno, desejando encontrar Deus face a face, no dia 21 de maio de 1794. Foi enterrado na Ilha Aix.

A seu respeito há o seguinte testemunho: "Este santo conservou, em uma idade tão avançada, a jovialidade da juventude".

O tempo passa, a situação se torna insuportável. Devido à falta de higiene, luz, ventilação, surge uma devastadora epidemia de tifo, da qual são vítimas nossos outros dois Irmãos. Irmão Uldarico morreu no dia 27 de agosto de 1794, com apenas 39 anos. Seu corpo foi enterrado na Ilha Madame. Sobre este Irmão há testemunhos: "Sua virtude impressionava aos jovens e na medida que seus ensinamentos alcançavam melhores resultados, mais irritados ficavam seus perseguidores..."

A cada morte se podia ouvir um sonoro "Viva a República!" Pois isto significava um inimigo a menos.

No dia 12 de setembro de 1794, chega a vez do Irmão Rogério. Morreu e foi enterrado na Ilha Madame. Para evitar a disseminação da epidemia foi posto sobre a sua sepultura uma grande quantidade de cal. Sobre o Irmão Rogério comentavam: "servidor de todos, atendendo a enfermos, animando com palavras de esperança aos que sofrem pela fé... sendo motivo de admiração para todos por sua simplicidade, bom humor e amabilidade..."

Aos poucos a pequena Ilha Madame foi tornando-se cemitério de uma grande quantidade de mártires.

No dia 12 de abril de 1795 foi decretada a liberdade para aqueles que conseguiram sobreviver, o que significava apenas, cerca de quarto dos que foram aprisionados. Na lista, ironicamente, figurava o nome do Irmão Rogério. Tarde demais!

Dentre os sobreviventes ainda foi possível encontrar três Irmãos Lassalistas. Também o Pe. Labiche, que guardou consigo uma cruz de madeira, talhada por um dos prisioneiros. Esta cruz foi usada nas proibidas orações junto aos convalescentes.

Tantas humilhações, atrocidades, mortes não foram capazes de cravar nos corações franceses revolucionários, aquelas bonitas palavras "Fraternidade! Igualdade! Liberdade!"... Entretanto, nos deixou o testemunho de tantos heróis, heroínas, que enfrentam horrores por amor a Cristo e ao próximo... Loucura da Cruz!

 

 

Ao longo do tempo a Igreja foi reconhecendo a heroicidade de tantos mártires da Revolução Francesa. Há outros sobre os quais, infelizmente, não há documentos que possam comprovar o martírio pela fé, para se encaminhar processo canônico. Dentre estes podemos citar o Irmão Pedro Cristóvão.

Duzentos anos depois, chega o reconhecimento para mais 64 mártires. Neste grupo estão incluídos os Irmãos Rogério, Uldarico e Leão.

Domingo, dia do Senhor, 1º de outubro de 1995 "A Igreja inteira canta, toda cheia de alegria", pois acontece, presidida pelo Papa João Paulo II, a solene beatificação de mais um grupo de mártires, os quais são chamados "Beatos Mártires dos Pontões de Rochefort".

Sua memória é celebrada dia dois de setembro.

Bibliografia

GALLEGO, Saturnino, "Huellas Fecundas", Villena Artes Gráficas, Madrid, 1981.

HH. EE. CC., "Hermanos Mártires de Los Pontones", Editorial LA SALLE, Chile.

INTERCOM nº 87, "Los Mártires de los Pontones de Rechefort", Roma, 1995.