A BOLA DE CRISTAL

Uma nuvem aparece dentro do cristal e depois vai se diluindo para mostrar o futuro

     Na coleção de artes mágicas a que se atribuem poderes especiais - leitura de mãos, pés, unhas folhas de chá, cartas de baralho, interpretação de caligrafia, etc - de adivinhar o futuro, saber do presente e do passado, da desgraça e da ventura, da personalidade, amor e da guerra, há mais uma.
     Como as demais, esse tipo de adivinhação se outorga a particularidade de ver o futuro, sendo que como instrumento, utiliza materiais transparentes - água, espelhos, cristais - nos quais se formariam visões de um que está por vir, por acontecer.
     A interpretação das imagens que apareciam nesses objetos transparentes inclui uma série de técnicas, conforme o tipo de material. O trabalho com água chama-se hidromancia, que inclui formas secundárias como cilicomancia (com copos d´água) e leconomancia (óleo salpicado na água dentro de uma bacia). Isso apenas para não falar das formas de adivinhação que envolvem a água em movimento ou outros líquidos que vão da tinta ao melaço.
     Adivinhar através de espelhos - a catoptromancia - igualmente tem modalidades subsidiárias como a interpretação pelos reflexos em objetos de prata, partes anteriores de relógios e lentes de aumento.  
     Mas, essas formas de magia, segundo os entendidos, pertencem ao passado e, na atualidade, o que prevalece é o uso da bola de cristal - cristalomancia - pelos adivinhos do gênero.

O FASCÍNIO PELO VIDRO

     Conta-se que a tradição pela bola de cristal é antiga e familiar aos homens primitivos. Tribos de Bornéu, Nova Guiné e Madagascar teriam tal tipo de adivinhação entre seus costumes; os aborígines australianos, veneram peças de cristal de quartzo, que seriam algumas vezes utilizadas para proporcionar visões - fato, aliás, absolutamente compreensível e causado pelo reflexo e filtragem dos raios solares no cristal colorido.
     Índios da América Central teriam sido adoradores de pedras polidas. Mas, entre vários minerais, transparentes ou não, o que parece ter prevalecido foi a bola de cristal que, com o tempo, passou a ser chamada de speculum, palavra de origem latina que originalmente significa espelho. Entretanto, o vidente que a utiliza parece não ter sido chamado de especulador, termo que não deixaria de cair bem para os enganadores do ramo.
     Por volta do século 19, a bola de cristal se teria firmado como forma popular de adivinhação do futuro, concorrendo seriamente com a astrologia e a leitura de mãos, cartas e folhas de chá.
     No século 20 é provável que os mágicos de bola de cristal ainda possam se encontrados em becos e ruas estreitas onde os adivinhos de toda a ordem conseguiram se estabelecer para ganhar a vida,apesar do fato, também provável, de que freqüentem altas rodas e tenha clientes entre as pessoas afortunadas.
     Além dos profissionais, a praça foi invadida por amadores, a julgar pela venda de bolas de cristal que custam , na Grã-Bretanha, Cr$ 25,00, são feitas de vidro e têm 10cm de diâmetro.

FAÇA VOCÊ MESMO

     Talvez uma boa explicação para a popularidade da bola de cristal esteja na simplicidade de sua utilização. De fato, sentar-se diante de uma bola de vidro e olhá-la, dá muito menos trabalho do que decifrar horóscopo e ler cartas. E, ao que tudo indica, não há qualquer terminologia específica a ser aprendida.
     A bola, em si, pode ser uma mera esfera de vidro, embora autoridades no assunto tenham desde sempre insistido na necessidade de ser um objeto mais caro, uma rocha cristalina especialmente arredondada e polida. O quartzo teria sido sempre o preferido, embora os mágicos mais ricos pusessem mais fé numa determinada espécie de rocha - o berilo - do qual a água marinha e a esmeralda são variações e que possuiriam certas conexões místicas  intrínsecas. O berilo, pedra transparente e brilhante, geralmente é esverdeado.
     Quanto a posição em que deve ficar o cristal, não há grandes regras. Atualmente, os adivinhos do ramo os coloca em cima de qualquer objeto que lhe permita ficar estável sobre uma mesa. Por outro lado, também existe uma extensa parafernália associada à leitura da bola de cristal. Um adivinho inglês do século 17 colocava seu cristal sobre um suporte de prata, que continha a inscrição, em relevo, dos anjos Rafael, Gabriel e Uriel.

ADIVINHOS DE LUXO

     Publicado pela primeira vez em 1896, o livro do inglês John Melville sobre histórias de bolas de cristal dá conta de enorme s listas de objetos utilizados pelos mágicos em sua prática de adivinhação. Segundo o autor, a bola de via estar cravada em apoio de madeira ou marfim polidos, o qual, por seu turno, repousaria em um pedestal de vidro ou cristal. O apoio deveria ainda contar com inscrições gravadas  - nomes místicos - de preferência em ouro: Tetragrammaton (tetragrama, um sinal formado por quatro dígitos), Emmanuel, Agla, Adonai (deus em hebraico). Quanto ao pedestal, deveria conter o nome Saday inscrito.
     Melville recomenda o uso de uma mesa especial chamada "lamen" circular e com gravações místicas similares. Mas o adivinho também pode trabalhar com uma mesa pequena e simples, coberta com uma toalha branca e talvez com um guardanapo negro em torno da base da bola para evitar reflexos. Na sala porém, deve haver algum lugar para um fogo, talvez um braseiro, para queimar os "perfumes habituais" (provavelmente incenso, bálsamo, etc.). Sobre a mesa deve haver duas velas colocadas em castiçais de ouro ou prata contendo inscritos os nomes Elochim e Eloche.
     Contrariamente ao que se pensava acerca da simplicidade da cristalomancia, um número considerável de cerimônias seria praticado para que a leituras da bola de cristal tivesse sucesso.

UM RITUAL DE LIMPEZA

     O cuidado com o cristal é de extrema importância: a bola deve ser mantida perfeitamente limpa e a limpeza seria, sem dúvida, um ritual de purificação. Uns lavam com sabão,  passam álcool ou vinagre e dão polimento com veludo ou camurça.
     A mesa e a sala igualmente precisam estar absolutamente limpas e o próprio mágico tem que se purificar, desde a simples limpeza física até a abstinência, orações e coisas do gênero. Melville recomenda ocasionais infusões de ervas - flores de artemísia ou chicória.
     Essa idéia de pureza é particularmente importante nas antigas tradições  asiáticas, que insistem no fato de que virgens e jovens imaculados são os melhores videntes.
     Os preparativos para a leitura devem ser feitos durante a lua crescente e a leitura em si funciona quando o sol em si está em sua melhor posição de poente a nordeste, ou quando o sol está nascente, meio-dia ou mesmo no poente.
     Imediatamente antes de ter início a leitura, alguns preparativos finais introduzem mais cerimônia mágicas. Os adivinhos de bola de cristal muitas vezes são descritos como fazendo uns passes mágicos sobre a esfera antes de começar a interpretar. John Melville confirma a eficácia de tais passes, os quais - diz - ajudam a "magnetizar" o cristal. Além da gesticulação, também podem ser utilizadas orações ou outros encantamentos.
     Hoje em dia, esses mágicos apenas olham fixamente para a bola, com certa concentração, sendo que se conta que entram, ou devem entrar , em transe. A respeito, um entendido no assunto recomendaria uma luz fraca e a fixação da vista na bola durante um período de 10 a 15 minutos. Mas cada adivinho pode reivindicar funcionar no claro ou no escuro e ter sua próprias idéias sobre o tempo de olhar o cristal.

ESPÍRITOS VISÍVEIS

     Depois disso tudo, afinal, o que se espera ver? Antigos manuais mágicos diriam que as cerimônias que antecedem a leitura conjugam um espírito angelical na bola, ao passo que há versões segundo as quais o que surge no vidro é demoníaco, o próprio espírito de Satã ou de um de seus demônios. Há ainda espiritualistas  que, em alguns casos, usariam a bola para entrar em contato com espíritos, ou os que afirmam ter tido contato visual com o além.
     Nesses casos, parece, a profecia ou adivinhação do futuro teria sido feita verbalmente ao mágico pelo espírito visível.
     As aversões sobre o que se vê no cristal variam ao infinito, à medida que diferentes pessoas relatam suas experiências: são visões, não seres sobrenaturais; são formas difusas e abstratas ou cenas explícitas da realidade. Mas, tudo isso pode ser considerado como fraude ou brincadeira, alucinação de uma cabeça doentia.
     Entretanto, há que se considerar que muitos fatos um dia inexplicáveis. com o tempo puderam ir sendo desvendados; que muitos fenômenos aparentemente desordenados e descabidos, um dia passaram a ser compreendidos e explicados pela ciência; que inúmeras ocorrências parapsicológicas foram posteriormente classificadas pela física.